sábado, 30 de outubro de 2010
54!
Nunca tive uma festa de aniversário. A que me lembro, que acabou num grande fiasco, foi há muitos anos quando era ainda um 'pivete', hoje adolescente. Recordo-me que um de meus irmãos e mais um amigo, resolveram que deveríamos comemorar meu aniversário com refrigerantes e presentes. Logo cedo, me chamaram e fomos para uma feira livre, que ficava a meia hora de casa, a pé. Lá chegando, percebi que seria um dia diferente. Um deles me distraiu e o outro "roubou" em uma banca um par de sapatos que me seria dado como presente pela data. Após o feito, mal feito por sinal, eles compraram algumas garrafas de "Tubaina" refrigerante que só se encontra por aqui e fomos comemorar. É claro que não se importaram em observar o numero do par de sapatos. Quando me entregaram para experimentar, vimos que era pelo menos quatro números maior e fiquei como se tivesse um caiaque nos pés. Aquilo virou piada e rolando de rir, meu amigo me chamou de "canoa", pela desproporção entre o pé e o calçado. "Se entrar na agua não afunda". A partir deste dia, até hoje, ele só me chama de "Canoa". Não houve uma festa propriamente, mas foi muito engraçado.
Histórias sem fim.
A medida que tomava conhecimento de minhas raízes, sentia o sangue mais quente correndo nas veias. Ficava imaginando uma cena de faroeste. E pensar que tudo que acontecia, era motivado por um pedaço de terra. Não conseguia imaginar quão valioso poderia ser aquele caminho para o gado, com não mais de um metro de largura. Será que haveria solução pacífica para um conflito que a meu ver era banal, mas não era para eles o tipo de problema que se resolve na conversa. Enquanto os homens mudavam a cerca, meu primo, com o revolver na cintura foi ter com eles. Não houve dialogo. Quando ele se aproximou, um dos homens o atacou com um enxadão, golpeando-lhe a cabeça. Caído, retirou a arma do coldre e levou-a em direção a um outro homem que o atacava, desferindo um golpe de facão. Um tiro soou e o inimigo cai ferido de morte, não sem antes acertar-lhe a mão, quase decepando um dedo. O primeiro agressor que estava com o enxadão, ao ver o irmão agonizando em seus últimos segundos de vida, novamente partiu para o ataque. Outro tiro, outro corpo caído ao chão. A bala penetrou pelo queixo do lado esquerdo e saiu pelo outro lado próximo a orelha, por isso a impressão de faltar um pedaço do queixo e enorme pelota abaixo dos olhos. Ainda com a arma na mão, aponta para os outros homens que acompanhavam aqueles que jaziam sobre uma poça de sangue. "__ Nós não temos nada com isso, só trabalhamos pra eles." As ferramentas foram abandonadas e socorrem os baleados. Um esta morto com um tiro no coração, o outro ofegante com o maxilar quebrado, olhos esbugalhados . Os empregados os carregam , enquanto meu primo ferido volta para casa. As duas fazendas estão muito distante da mais próxima cidade, onde haveria um hospital e uma delegacia de policia. O fazendeiro ferido foi levado para um povoado onde um " pratico", uma espécie de médico, farmaceutico e veterinário atende a população. A policia foi avisada e chegou uma semana depois, apenas para registrar o fato, ninguém foi sequer chamado para depor. O morto foi enterrado na propriedade, a cerca não mais foi mudada de lugar. Tempos depois, meu primo vendeu suas terras e mudou-se para Goiás. A partir dai e cheio de orgulho, esqueci-me da politica e mergulhei de corpo e alma naquele paraíso.
terça-feira, 26 de outubro de 2010
E a história continua...
Quando estava na Bahia e praticamente 'fugi' de Santa Maria da Vitória, tendo em vista os acontecimentos e a certeza de que corria risco de morte, não desconfiava o quanto estava ligado a um lugar tão distante e que há pouco não existia nem em meu imaginário. Quieto em meu canto, fiquei observando as pessoas que viajavam comigo naquele caminhão. A cada 10, 20 km, descia algumas pessoas ou subiam outras. Uns 70 km após o embarque o homem que parecia faltar um pedaço do queixo, com enorme pelota de um lado do rosto, desceu. Continuamos a viagem. Quando estávamos a uma distancia segura, o passageiro ao meu lado, voltou-se para mim e disse: "__ Então você é sobrinho de dona Rosália? Tome cuidado com quem fala. É que seu primo teve uma desavença com o sujeito que desceu. O senhor desce na próxima parada, pousa lá e depois procure por sua tia, todo mundo a conhece." Ele levantou-se, estendeu-me a mão em cumprimento, "__ É o senhor que estava mexendo com política, não é? Pena que mataram aquele cabra do sindicato!". Apertei-lhe a mão e nada disse. O caminhão parou e ele se foi. Por volta de 22 horas, chegamos ao lugar onde passaria a noite. Era uma casa iluminada por lamparinas de querosene. Tinha para jantar farinha de mandioca, macarrão temperado com coloral, e carne ensopada que não me atrevi a perguntar do que era, café ralo e só. Dormir na rede ou num banco duro. Cobrir apenas para não ser devorado pelos pernilongos. Madrugada, hora de seguir em frente. Dali em diante, perguntaria apenas por dona Rosália, sem dizer que era seu sobrinho. Após me informar sobre a direção a tomar, pus-me a cominho. Devia ser umas quatro da manhã. Não havia qualquer tipo de condução para me levar até lá. Pé na estrada. Por volta de dez horas da manhã, com um sol de rachar, perguntei novamente; " Segue em frente, é logo ali". Quatro horas da tarde, preocupado em não encontrar quem eu procurava antes do anoitecer, perguntei novamente a uma mulher que capinava uma roça e parou para olhar o estranho que passava por ali. "__ A casa da dona Rosália, por favor? __ É a próxima depois da terceira porteira". Por volta de cinco e meia da tarde, bati numa casa; __É aqui a casa de dona Rosália? __ Não, é a próxima! Ainda bem que apenas uns setenta metros me separava de meu objetivo. Novamente bati palmas. Surgiu à porta uma senhora de uns setenta anos, magra, mas com viço, apesar das rugas aparentava resistência a dureza dos anos de vida. "__É aqui a casa de dona Rosália? __ Sim, sou eu, por que? __ Ah! Graças a Deus. Não aguentava mais procurar. Sou seu sobrinho de São Paulo. __ Quem? __ Seu sobrinho, filho de sua irmã. Ela perdeu a voz, não chorou, apenas abriu os braços e recebeu-me num afetuoso e apertado abraço. A casa era de barro, coberta com folhas de palmeiras e algumas telhas cerâmicas. O piso de terra batida irregular, um fogão a lenha, podia sentir seu calor e o trepidar de madeira queimando, uma mesa improvisada com galhos e bancos feitos de troncos de árvores. Ela percebeu meu espanto. __ Não é o que você esperava! __ Não é isso. É que já morei numa casa assim. Quando chovia, tínhamos que escorar. Dava muito medo de cair. __ Não se preocupe, aqui chove pouco. Abraçou-me carinhosamente e levou-me para a cozinha. Fez café, biju de polvilho e fritou peixes e bolinhos de chuva. Conversamos muito. Após o café, o sol ainda brilhava forte e chamando-me para o quintal, apontou para um rio, uns trinta metros abaixo. __Me ajuda a buscar peixes? Nada respondi, apenas a segui até as margens do rio. Fiquei encantado. Uma cachoeira, uma piscina natural e uma praia. Estava no paraíso. __ É aqui que tomamos banho. Se quiser é só tirar a roupa e entrar. Não foi preciso falar outra vez. Enquanto me refrescava, ela seguiu pela margem até próximo a cachoeira e puxando uma corda, retirou uma espécie de "coador" feito com um lençol e um galho de árvore em forma de gancho. Os peixes ao saltarem para subir a cachoeira, caiam dentro da armadilha que ela colocava pela manhã e retirava a tarde. Depois do banho, voltei com ela para casa e enquanto preparava a janta, apresentou-me para a família; uma filha e a neta e um filho de minha idade. Conversamos muito e matamos a curiosidade de parte a parte. Escureceu. Lamparinas de querosene foram acesas e olhando pela janela, podia ver ao longe o lume de outras candeias. A curiosidade me corroía por dentro e então perguntei: __O que aconteceu com meu primo? Soube que houve uma briga e ele quase matou um homem! __É uma longa história. Começou por causa de um pedaço de terra, um carreador para o gado beber água no rio. __Como assim? __O vizinho do sitio, mudou a cerca dele para dentro das terras de seu primo, ele foi lá e colocou de volta no lugar. Novamente o vizinho invadiu a terra com a cerca que foi outra vez mudada. É claro que entre uma mudança e outra, ninguém foi falar com o outro e tentar resolver. Um dia os vizinhos e alguns empregados estavam mudando a cerca e o filho dele veio e avisou o que estava acontecendo. Ele colocou um revolver na cintura e foi lá para conversar com os homens.
segunda-feira, 18 de outubro de 2010
Aventura na Bahia.
No inicio da década de 1980, após ser demitido dos Correios, resolvi tirar uns dias para passear e conhecer a Bahia.
Viagem decidida, fiz as malas, na verdade uma mochila com algumas peças de roupas e uma maquina fotográfica, (naquele tempo não existiam as digitais), alguns filmes e fui. No dia da partida, cheguei para minha mãe e disse: "Vou para a Bahia." Ela me olhou com ar de espanto e sem entender nada perguntou; "Como?". Apenas respondi: "Tchau, mãe!" e parti.
Os anos 80 eram cheios de lutas para derrubar a Ditadura Militar e eu sou um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, sendo filiado desde o início. Tomei um onibus na rodoviária em São Paulo com destino a Brasília de onde partiria para a Bahia. Sabia que tinha um primo em Taguatinga, cidade satélite de Brasília e fui procura-lo. Nada sabia sobre o mesmo e também era um desconhecido para ele. Pergunta daqui e dali, cheguei a sua casa. Fiquei por lá uns três dias e segui viagem.
No trageto até Brasília, a rodovia era razoável e o onibus oferecia conforto e segurança. Após comprar a passagem, dirigi-me para o terminal de embarque e começou a aventura. Me aguardava um onibus velho, mal conservado, com engradados amarrados no teto, com galinhas, porcos e sei lá mais o que. Para embarcar, pessoas de todas as partes do nordeste com crianças, muitas crianças. Quase todas subnutridas, esquálidas, pálidas, com cabeças muito grande e olhos esbugalhados. Soube durante a viagem que uma delas estava sendo alimentada apenas com agua e açúcar havia três dias.
Partimos. Meu destino era Santa Maria da Vitória, mas passaríamos por outras cidades até chegarmos. Encostado na janela, olhava a paisagem e tudo que via era um infinito árido, com terra rachada, ora parecendo o casco de uma tartaruga, ora as costas de um grande crocodilo. Havia esqueletos de animais mortos pela fome e sede, nenhum sinal de verde, apenas árvores retorcidas e secas.
Ao fim da tarde chegamos em uma casa que era ponto de parada para os viajantes. Não havia visto nem um sinal de vida nos últimos 200 km, então... ao entrar, notei que sobre a mesa havia algo escuro, quase preto que, com um gesto do homem que estava na cozinha, levantou voo em nuvem, indo pousar em outra peça. Eram moscas. Ali que os viajantes paravam para fazer as refeições; os que podiam pagar. Menos da metade dos ocupantes do onibus.
"O que temos para comer?". ---Macarrão temperado com coloral (urucum) talvez, nº 8, daqueles que parecem um canudo de refrigerante, farinha de mandioca e carne.
Depois de ter saciado a fome, quis saciar a curiosidade e perguntei ao dono, garçom, cozinheiro, faxineiro do lugar que era ajudado por sua companheira.
---Carne do que?
--- De jegue!
---De jegue?
--- O sr. viu alguma vaca ou porco por aí?
--- Só carcaças!
---Então..! e foi atender aos outros fregueses. Já era noitinha quando embarcamos e seguimos viagem. Próxima parada, Barreira, pela manhã. Percorremos por uma estrada de terra, esburacada e cheia de costelas que me fazia sentir como se estivesse dentro de um grande vibrador. O onibus pendia para um lado e outro, deixando entrar galhos pelas janelas emperradas que há muito pedia manutenção. Para chegarmos até a cidade, descemos montanha abaixo por uns cinco ou dez quilometros, não me recordo, pois descíamos a noite e devagar, pelas péssimas condições do onibus e da estrada. Lembro-me que por sorte, quebrou o freio quando faltava menos de um quilometro e o motorista conseguiu parar sem danos ou ferimentos aos passageiros, mas a gritaria foi geral. Ficamos parados ali por umas dez horas até a chegada de outro onibus com um mecânico e peças para os reparos. Fizemos a baldeação e seguimos em frente. Foram mais 18 horas de viagem e algumas paradas. Chegamos ao destino.
Santa Maria da Vitória é cortada por um rio e do outro lado fica São Felix que pediu emancipação e gerou grande alvoroço, principalmente porque a prefeitura e a câmara municipal ficam ali. Após perguntar pelo meu anfitrião, que não sabia de minha chegada, fui procura-lo onde haviam me informado ser a sua casa. Após me apresentar, fui muito bem recebido, almocei, conversamos sobre muitas coisas que despertavam a curiosidade de ambas as partes, quis presentear meu meu anfitrião com anzóis e material de pesca que levara comigo. Ele muito gentilmente agradeceu e recusou, explicando que o motivo era que; seu filho de 8 anos juntamente com outros amiguinhos da mesma idade, pegaram um barco, anzóis e foram pescar. Fisgaram um Surubim que os arrastou muitos quilometros rio abaixo. Como ninguém sabia da "arte" dos garotos, a cidade ficou em polvorosa e foi montado um grande aparato para encontra-los, o que aconteceu apenas 30 horas depois. Eles estavam bem, encalhados, com o peixe ainda no anzol. Segundo o que me falou meu amigo, pesou mais de 30 kg. Na hora do banho, fui informado que por ali todos tomavam banho no rio. Todos, quer dizer a cidade inteira. O calor justifica e o preço da energia também. Mas, recomendaram que tomasse banho de cuecas, pois os peixes vinham ajudar na higiene e poderiam tentar levar a "minhoca". Foi muito agradável o banho com um cardume de peixinhos beliscando tudo que estivesse submerso. Bom, como meu objetivo, além do passeio, era fundar uma célula do PT naquele fim de mundo, comecei a trabalhar nesse sentido. Meu anfitrião fazia parte do grupo que governava a cidade e soube por ele que havia muitas desavenças entre o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e os proprietários de grandes fazendas da região. Fiquei por ali uma semana e havia visitado o outro lado do rio, São Felix, duas vezes. Um dia, estava esperando o barco para fazer a travessia, chegou meu amigo, um tanto ofegante e me chamando para o lado disse: "Acabaram de matar o presidente do sindicato com 8 tiros. Tá o maior reboliço na cidade. É melhor você sair daqui". Voltei para a casa dele e fiquei sabendo que tinha "gente" descontente com minha presença ali. Resolvemos que o melhor a fazer naquele momento era deixar a cidade e assim o fiz. Ele me contou que eu tinha uma tia que morava a uns 150 km dali e que deveria procura-la e ficar por lá por uns tempos. Depois daria rumo a minha vida,"enquanto a tinha", pensei. Para sair da cidade, havia dois jeitos: de onibus, que tinha um de madrugada e outro de noite ou de "carona" que é um caminhão que cobra o mesmo preço e faz viagens intermediárias. Embarquei num desses por volta de seis horas da tarde. Deveria chegar a uma parada onde pernoitaria e seguiria o resto do caminho a pé. Me acomodei num canto e observei os passageiros. Pessoas estranhas, todas portando armas, creio que o único desarmado era eu. Como não conhecia nada e ninguém, aproximei-me do homem sentado a meu lado e perguntei se conhecia dona Rosália, minha tia. Ele olhou-me com ar de preocupação e apontando discretamente para um homem que tinha um grande defeito no rosto, com uma enorme pelota de um lado e a impressão de faltar um pedaço do queixo, colocou a mão sobre a boca e fez "Chiii!". Entendi o recado e calei-me. Mas a partir daí, já é outra história.
Viagem decidida, fiz as malas, na verdade uma mochila com algumas peças de roupas e uma maquina fotográfica, (naquele tempo não existiam as digitais), alguns filmes e fui. No dia da partida, cheguei para minha mãe e disse: "Vou para a Bahia." Ela me olhou com ar de espanto e sem entender nada perguntou; "Como?". Apenas respondi: "Tchau, mãe!" e parti.
Os anos 80 eram cheios de lutas para derrubar a Ditadura Militar e eu sou um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores, sendo filiado desde o início. Tomei um onibus na rodoviária em São Paulo com destino a Brasília de onde partiria para a Bahia. Sabia que tinha um primo em Taguatinga, cidade satélite de Brasília e fui procura-lo. Nada sabia sobre o mesmo e também era um desconhecido para ele. Pergunta daqui e dali, cheguei a sua casa. Fiquei por lá uns três dias e segui viagem.
No trageto até Brasília, a rodovia era razoável e o onibus oferecia conforto e segurança. Após comprar a passagem, dirigi-me para o terminal de embarque e começou a aventura. Me aguardava um onibus velho, mal conservado, com engradados amarrados no teto, com galinhas, porcos e sei lá mais o que. Para embarcar, pessoas de todas as partes do nordeste com crianças, muitas crianças. Quase todas subnutridas, esquálidas, pálidas, com cabeças muito grande e olhos esbugalhados. Soube durante a viagem que uma delas estava sendo alimentada apenas com agua e açúcar havia três dias.
Partimos. Meu destino era Santa Maria da Vitória, mas passaríamos por outras cidades até chegarmos. Encostado na janela, olhava a paisagem e tudo que via era um infinito árido, com terra rachada, ora parecendo o casco de uma tartaruga, ora as costas de um grande crocodilo. Havia esqueletos de animais mortos pela fome e sede, nenhum sinal de verde, apenas árvores retorcidas e secas.
Ao fim da tarde chegamos em uma casa que era ponto de parada para os viajantes. Não havia visto nem um sinal de vida nos últimos 200 km, então... ao entrar, notei que sobre a mesa havia algo escuro, quase preto que, com um gesto do homem que estava na cozinha, levantou voo em nuvem, indo pousar em outra peça. Eram moscas. Ali que os viajantes paravam para fazer as refeições; os que podiam pagar. Menos da metade dos ocupantes do onibus.
"O que temos para comer?". ---Macarrão temperado com coloral (urucum) talvez, nº 8, daqueles que parecem um canudo de refrigerante, farinha de mandioca e carne.
Depois de ter saciado a fome, quis saciar a curiosidade e perguntei ao dono, garçom, cozinheiro, faxineiro do lugar que era ajudado por sua companheira.
---Carne do que?
--- De jegue!
---De jegue?
--- O sr. viu alguma vaca ou porco por aí?
--- Só carcaças!
---Então..! e foi atender aos outros fregueses. Já era noitinha quando embarcamos e seguimos viagem. Próxima parada, Barreira, pela manhã. Percorremos por uma estrada de terra, esburacada e cheia de costelas que me fazia sentir como se estivesse dentro de um grande vibrador. O onibus pendia para um lado e outro, deixando entrar galhos pelas janelas emperradas que há muito pedia manutenção. Para chegarmos até a cidade, descemos montanha abaixo por uns cinco ou dez quilometros, não me recordo, pois descíamos a noite e devagar, pelas péssimas condições do onibus e da estrada. Lembro-me que por sorte, quebrou o freio quando faltava menos de um quilometro e o motorista conseguiu parar sem danos ou ferimentos aos passageiros, mas a gritaria foi geral. Ficamos parados ali por umas dez horas até a chegada de outro onibus com um mecânico e peças para os reparos. Fizemos a baldeação e seguimos em frente. Foram mais 18 horas de viagem e algumas paradas. Chegamos ao destino.
Santa Maria da Vitória é cortada por um rio e do outro lado fica São Felix que pediu emancipação e gerou grande alvoroço, principalmente porque a prefeitura e a câmara municipal ficam ali. Após perguntar pelo meu anfitrião, que não sabia de minha chegada, fui procura-lo onde haviam me informado ser a sua casa. Após me apresentar, fui muito bem recebido, almocei, conversamos sobre muitas coisas que despertavam a curiosidade de ambas as partes, quis presentear meu meu anfitrião com anzóis e material de pesca que levara comigo. Ele muito gentilmente agradeceu e recusou, explicando que o motivo era que; seu filho de 8 anos juntamente com outros amiguinhos da mesma idade, pegaram um barco, anzóis e foram pescar. Fisgaram um Surubim que os arrastou muitos quilometros rio abaixo. Como ninguém sabia da "arte" dos garotos, a cidade ficou em polvorosa e foi montado um grande aparato para encontra-los, o que aconteceu apenas 30 horas depois. Eles estavam bem, encalhados, com o peixe ainda no anzol. Segundo o que me falou meu amigo, pesou mais de 30 kg. Na hora do banho, fui informado que por ali todos tomavam banho no rio. Todos, quer dizer a cidade inteira. O calor justifica e o preço da energia também. Mas, recomendaram que tomasse banho de cuecas, pois os peixes vinham ajudar na higiene e poderiam tentar levar a "minhoca". Foi muito agradável o banho com um cardume de peixinhos beliscando tudo que estivesse submerso. Bom, como meu objetivo, além do passeio, era fundar uma célula do PT naquele fim de mundo, comecei a trabalhar nesse sentido. Meu anfitrião fazia parte do grupo que governava a cidade e soube por ele que havia muitas desavenças entre o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e os proprietários de grandes fazendas da região. Fiquei por ali uma semana e havia visitado o outro lado do rio, São Felix, duas vezes. Um dia, estava esperando o barco para fazer a travessia, chegou meu amigo, um tanto ofegante e me chamando para o lado disse: "Acabaram de matar o presidente do sindicato com 8 tiros. Tá o maior reboliço na cidade. É melhor você sair daqui". Voltei para a casa dele e fiquei sabendo que tinha "gente" descontente com minha presença ali. Resolvemos que o melhor a fazer naquele momento era deixar a cidade e assim o fiz. Ele me contou que eu tinha uma tia que morava a uns 150 km dali e que deveria procura-la e ficar por lá por uns tempos. Depois daria rumo a minha vida,"enquanto a tinha", pensei. Para sair da cidade, havia dois jeitos: de onibus, que tinha um de madrugada e outro de noite ou de "carona" que é um caminhão que cobra o mesmo preço e faz viagens intermediárias. Embarquei num desses por volta de seis horas da tarde. Deveria chegar a uma parada onde pernoitaria e seguiria o resto do caminho a pé. Me acomodei num canto e observei os passageiros. Pessoas estranhas, todas portando armas, creio que o único desarmado era eu. Como não conhecia nada e ninguém, aproximei-me do homem sentado a meu lado e perguntei se conhecia dona Rosália, minha tia. Ele olhou-me com ar de preocupação e apontando discretamente para um homem que tinha um grande defeito no rosto, com uma enorme pelota de um lado e a impressão de faltar um pedaço do queixo, colocou a mão sobre a boca e fez "Chiii!". Entendi o recado e calei-me. Mas a partir daí, já é outra história.
terça-feira, 12 de outubro de 2010
Quem sou?
A primeira vez que me perguntaram isto, era um teste e eu cursava a 7ª série do antigo ginasial. Pouco me lembro da resposta que dei, mas ficou a quantidade de coisas e definições ditas na ocasião. Na verdade o que se queria saber para a pergunta; "Quem é você?", era o nome, estado civil, idade e grau de instrução. Nada sobre ser filho de Deus, um cara legal, prestativo ou meiga e carinhosa. Depois disto passei a prestar mais atenção as perguntas a mim dirigidas. Hoje, depende do local e quem faz a pergunta. Há momentos que a resposta mais próxima do ideal seria; homem, multi cor (devido a descendencia), crente não religioso, artista e arteiro, indiguinado com a estupidez que somos capazes de fazer sem remorsos ou receios. Também sou multi personal. Creio que nos travestimos na "pessoa" necessária para cada situação. E seu nome? Tenho vários, cada qual com personalidade própria: Um dia sou João e como o Apostolo, as vezes perco a cabeça, noutro sou Sebastião e morro atingido por flechas de olhares de desejos mil. Omar! Ah! o mar. Vivo em meus sonhos, desejos de sentir a areia sob meus pés, o sal que tempera o suor debaixo do sol que doura a pele. Quem sou? Que nome tenho? Sou o que sou, tenho o nome que me convém! Sou assim, como nomeou me meu pai, mistura de raças e cores como um prato multi colorido que alimenta sonhos, desejos e poesias.
quinta-feira, 7 de outubro de 2010
Dias passados...Parecem distantes!
Toda vez que olho para um calendário, imagino dias perdidos no tempo, lembranças remotas, imagens desbotadas, quase esquecidas e chego a me perguntar se realmente vivi aquele momento. Hoje com tanta tecnologia, pressa, pouco tempo para observar tudo que esta a minha volta, ponho em dúvidas o que ocorreu apenas ontem. Não me parece real. É muito difícil imaginar homens semi nus correndo pelas savanas em busca de caça ou singrando os mares em embarcações que parecem brinquedos feitos por crianças. Sento-me à beira de uma estrada e viajo em devaneios, recordações, dias passados, pessoas que ficaram distantes, mudaram o caminho, buscaram outro rumo. Onde estará o amigo de infância, a garota por quem era apaixonado? Quantos ainda estão vivos? E eu, será que estou? Há momentos que me sinto em uma redoma , olho o horizonte e com olhar perdido busco uma resposta para perguntas que não fiz. Seria mais feliz morando lá, não aqui? Oportunidades houve, o medo encarcerou-me no que parecia seguro. Vendi meu tempo e liberdade por um salário aviltante, calei minha voz para ouvir a de outros com armas nas mãos. Quantas vezes errado nos atos e atitudes me fiz vítima e acusei inocentes. Dias passados, imagens presentes. Por que tive medo? O que me assustou? O beijo doce da mulher casada ou o tapa no rosto desferido por uma adolescente? Tudo parece distante e cada carro que passa veloz pela rodovia, leva um pedaço de mim. Enquanto as horas passam, espero... é meu trabalho. Nessas lembranças que vem e vão na velocidade dos caminhões carregados e desconhecidos destinos, espelho minhas memórias em outros que, iguais a mim passaram e se perderam num tempo que não é mais nosso. Nossas verdades, nossos ídolos estão mortos, desconhecidos dessa gente nova.
segunda-feira, 4 de outubro de 2010
2º Turno
__ Durante meu governo, não do Itamar, fiz o Plano Real... Plantei uma ideia, e o Serra mostra o Lula na campanha dele. Tô com o sa... deste tamanho. E duvido que me chamem prá ajudar no segundo turno. Quer saber, vou voltar pra França. Lá eles me entendem!
___ O Netinho sifu! só porque é negro e bateu na mulher. Eu coloquei a Policia Militar para combater a Civil e estou no 2º turno, graças a Marina é verdade, mas quem se importa!
__ Agora estou no 2º turno. Eu não vou atacar minha adversária, aquela terrorista, deixo o Indio falar o que ele quiser. Ele é o cara. Ou será o amigo do Zorro. Sei lá...
___ O Netinho sifu! só porque é negro e bateu na mulher. Eu coloquei a Policia Militar para combater a Civil e estou no 2º turno, graças a Marina é verdade, mas quem se importa!
__ Agora estou no 2º turno. Eu não vou atacar minha adversária, aquela terrorista, deixo o Indio falar o que ele quiser. Ele é o cara. Ou será o amigo do Zorro. Sei lá...
Meu universo.
O universo em minhas mãos. Tão sobre controle quanto o frio que faz hoje, o sol que apareceu ontem e a chuva que me pegou sem guarda-chuvas. Me encanta seus mistérios, é o desconhecido que me fascina.
sábado, 2 de outubro de 2010
Punição ou racismo?
Tenho visto e recebido muitos e-mails nesta eleição, massacrando o Netinho pelas agressões contra a ex mulher e nos aconselhando a não votar nele, percebo que por trás da critica ferrenha de seu ato de violência há um outro ato não tão inconsciente que se mostra tão violento quanto as agressões infringidas por ele. Sabemos que há real possibilidade de ele ser eleito e termos um senador que vai incomodar o estabelecido no nosso tradicional sistema "democrático", onde só os 'letrados' e brancos são bons para fazerem politicas e criar leis. Muitos outros candidatos que pleiteiam a reeleição, são agressores de mulheres, vide Frank Aguiar e nunca foram cobrados por isto. Maluf é ladrão condenado e eleito ganha foro privilegiado e não pode ser preso. Há tantos Arrudas, Tumas, os que foram carrascos na ditadura e os que se associam a máfia chinesa e nunca foram tão perseguidos. As estatísticas dizem que a cada 15 segundos uma mulher é agredida no Brasil e temos visto que a lei Maria da Penha pouco tem valido para defende-las. Assim como criticam a candidatura do Tiririca, Maguila, mulher Pera, Cameron Brasil e outros tantos candidatos fora dos padrões, há uma atenção exacerbada em fatos que podem mudar os rumos de uma eleição, usando-se pesos e medidas diferentes para julgar um mesmo crime. Estamos em uma democracia e é direito de todo cidadão se candidatar a cargos eletivos assim como é direito não votar neles. O que me preocupa é que por trás de atitudes que aparenta sensatez, há um desejo de separação daquilo que é "Direito" do cidadão do que se quer manter no poder. A perseguição ao Netinho será apenas por ter agredido a mulher ou por ser negro e estar na frente de muitos mais "qualificados" que ele?
Culpa...nem sempre admitimos!
Dizem que durante a 1ª guerra mundial, um comandante do exercito alemão, quando havia um desentendimento entre seus comandados, os mandava para lugares diferente para refletir sobre os fatos e depois voltar para conversarem sobre o assunto. Era para evitar tomada de decisões impensadas e no calor dos fatos que sempre leva a desastres as vezes incorrigiveis. Aprendi com esta história a não discutir por motivos que aparentam ter grande importância no momento, mas que a luz da razão nada representa que não apenas um não querer perder uma discussão sem nexo ou super valorizar fatos corriqueiros. Após analise cuidadosa de alguns acontecimentos e espera de raciocínio livre, percebo que sempre temos uma parcela de culpa nos fatos que nos levam a brigas desnecessárias com consequencias as vezes graves. Infelizmente aprendemos a nos sentir sempre vitimas e nunca algozes. Somos sempre os "mocinhos" da história, o príncipe que vai salvar a donzela e elas as cinderelas, jamais as madrastas ou bruxas horrendas que fazem magias com criancinhas. Culpa? Temos... mas para que admitir!
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