terça-feira, 26 de outubro de 2010
E a história continua...
Quando estava na Bahia e praticamente 'fugi' de Santa Maria da Vitória, tendo em vista os acontecimentos e a certeza de que corria risco de morte, não desconfiava o quanto estava ligado a um lugar tão distante e que há pouco não existia nem em meu imaginário. Quieto em meu canto, fiquei observando as pessoas que viajavam comigo naquele caminhão. A cada 10, 20 km, descia algumas pessoas ou subiam outras. Uns 70 km após o embarque o homem que parecia faltar um pedaço do queixo, com enorme pelota de um lado do rosto, desceu. Continuamos a viagem. Quando estávamos a uma distancia segura, o passageiro ao meu lado, voltou-se para mim e disse: "__ Então você é sobrinho de dona Rosália? Tome cuidado com quem fala. É que seu primo teve uma desavença com o sujeito que desceu. O senhor desce na próxima parada, pousa lá e depois procure por sua tia, todo mundo a conhece." Ele levantou-se, estendeu-me a mão em cumprimento, "__ É o senhor que estava mexendo com política, não é? Pena que mataram aquele cabra do sindicato!". Apertei-lhe a mão e nada disse. O caminhão parou e ele se foi. Por volta de 22 horas, chegamos ao lugar onde passaria a noite. Era uma casa iluminada por lamparinas de querosene. Tinha para jantar farinha de mandioca, macarrão temperado com coloral, e carne ensopada que não me atrevi a perguntar do que era, café ralo e só. Dormir na rede ou num banco duro. Cobrir apenas para não ser devorado pelos pernilongos. Madrugada, hora de seguir em frente. Dali em diante, perguntaria apenas por dona Rosália, sem dizer que era seu sobrinho. Após me informar sobre a direção a tomar, pus-me a cominho. Devia ser umas quatro da manhã. Não havia qualquer tipo de condução para me levar até lá. Pé na estrada. Por volta de dez horas da manhã, com um sol de rachar, perguntei novamente; " Segue em frente, é logo ali". Quatro horas da tarde, preocupado em não encontrar quem eu procurava antes do anoitecer, perguntei novamente a uma mulher que capinava uma roça e parou para olhar o estranho que passava por ali. "__ A casa da dona Rosália, por favor? __ É a próxima depois da terceira porteira". Por volta de cinco e meia da tarde, bati numa casa; __É aqui a casa de dona Rosália? __ Não, é a próxima! Ainda bem que apenas uns setenta metros me separava de meu objetivo. Novamente bati palmas. Surgiu à porta uma senhora de uns setenta anos, magra, mas com viço, apesar das rugas aparentava resistência a dureza dos anos de vida. "__É aqui a casa de dona Rosália? __ Sim, sou eu, por que? __ Ah! Graças a Deus. Não aguentava mais procurar. Sou seu sobrinho de São Paulo. __ Quem? __ Seu sobrinho, filho de sua irmã. Ela perdeu a voz, não chorou, apenas abriu os braços e recebeu-me num afetuoso e apertado abraço. A casa era de barro, coberta com folhas de palmeiras e algumas telhas cerâmicas. O piso de terra batida irregular, um fogão a lenha, podia sentir seu calor e o trepidar de madeira queimando, uma mesa improvisada com galhos e bancos feitos de troncos de árvores. Ela percebeu meu espanto. __ Não é o que você esperava! __ Não é isso. É que já morei numa casa assim. Quando chovia, tínhamos que escorar. Dava muito medo de cair. __ Não se preocupe, aqui chove pouco. Abraçou-me carinhosamente e levou-me para a cozinha. Fez café, biju de polvilho e fritou peixes e bolinhos de chuva. Conversamos muito. Após o café, o sol ainda brilhava forte e chamando-me para o quintal, apontou para um rio, uns trinta metros abaixo. __Me ajuda a buscar peixes? Nada respondi, apenas a segui até as margens do rio. Fiquei encantado. Uma cachoeira, uma piscina natural e uma praia. Estava no paraíso. __ É aqui que tomamos banho. Se quiser é só tirar a roupa e entrar. Não foi preciso falar outra vez. Enquanto me refrescava, ela seguiu pela margem até próximo a cachoeira e puxando uma corda, retirou uma espécie de "coador" feito com um lençol e um galho de árvore em forma de gancho. Os peixes ao saltarem para subir a cachoeira, caiam dentro da armadilha que ela colocava pela manhã e retirava a tarde. Depois do banho, voltei com ela para casa e enquanto preparava a janta, apresentou-me para a família; uma filha e a neta e um filho de minha idade. Conversamos muito e matamos a curiosidade de parte a parte. Escureceu. Lamparinas de querosene foram acesas e olhando pela janela, podia ver ao longe o lume de outras candeias. A curiosidade me corroía por dentro e então perguntei: __O que aconteceu com meu primo? Soube que houve uma briga e ele quase matou um homem! __É uma longa história. Começou por causa de um pedaço de terra, um carreador para o gado beber água no rio. __Como assim? __O vizinho do sitio, mudou a cerca dele para dentro das terras de seu primo, ele foi lá e colocou de volta no lugar. Novamente o vizinho invadiu a terra com a cerca que foi outra vez mudada. É claro que entre uma mudança e outra, ninguém foi falar com o outro e tentar resolver. Um dia os vizinhos e alguns empregados estavam mudando a cerca e o filho dele veio e avisou o que estava acontecendo. Ele colocou um revolver na cintura e foi lá para conversar com os homens.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Omar,também gostei revê-lo,pena não poder vir com mais frequência tomar um café nesta paragem.Sempre bom ler teus textos,pelo visto viagem foi muito interessante.Beijos.Lia...
ResponderExcluir